Ela
Ela

Ela

Ela não sabia que podia

Fizeram-na, a vida inteira, acreditar que não conseguiria

Tomaram dela todas as oportunidades

Massacraram suas costas e o seu útero. Aliás, quiseram comandar suas entranhas

Disseram, eles, sem conhecimento de causa, que suas vidas não eram suas

Sem dó nem piedade, sequestraram seus desejos em nome da boa conduta e das boas maneiras

Saquearam suas almas e seus sorrisos

Seja distinta ou terminarás solitária, diziam eles

Esse era o fadado destino das que ousaram

Poucas pagaram para ver, de fato

Poucas, mas essenciais

Desbravadoras

Eram tidas como loucas

Eram indomáveis

Muitas permaneceram inertes

Essas eram tidas como sensatas e do lar

Era fácil saber quais delas não eram felizes nas suas essências

Ela foi queimada

Ela foi torturada

Ela foi subtraída, subjugada

Deram a ela o subsolo da sociedade para manutenção de um sistema

Rebaixaram-a

Ela era seguidora, nunca líder

Puseram-lhe enfeites, adornos

Tinha de estar bonita, apenas

Tinha de estar enfeitada

Tinha de ser cândida

Teve que se esconder por inúmeras vezes

Taparam-lhe o corpo e a boca

Colocaram-lhe panos sobre panos

Não podia ser vista, ainda que em publico

Sua presença não podia ser notada, nunca

Apagaram sua imagem

Ela tinha de falar bem pouco, quase nada

Balbuciar palavras curtas e quase sem som, tons sempre muito baixos

Precisou aguçar outros sentidos e até criou um sexto

Esse somente ela sabia usar

Se tornou o mais instintivo ser a habitar essa Terra

Sabia de tudo antes de acontecer

Essas vozes que ela escutava vinham de dentro

Ela ansiava por ser mais do que a permitiam

Nada era permitido, basicamente

Maternidade virou profissão não remunerada

Ela tinha capacidade, mas era questionada, por vezes invalidada, e por fim silenciada

Angústias mil

Sabe o ela fez? 

Se libertou.

Foi valente

Tem marcas e feridas por todo o corpo, mas lutou como uma mulher

Não desistiu

Ao lado dela nas trincheiras, tantas outras

Não estava mais sozinha

Dividiu seus medos e perpetuou seus sonhos

Muitas se perderam pelo caminho

Ela quebrou barreiras e expandiu limites, o dela e de outras

Emancipou-se

Chamaram-a de louca, bruxa, pagã, desgarrada, irresponsável, safada e ate de puta

Ela era tudo isso e o que mais quisesse ser

Hoje ela trabalha e paga em qualquer moeda pelos seus merecidos caprichos

Alias, hoje ela ama quem ela quer

Hoje ela até ama ela mesma e outras

Retomaram a posse de seus aparelhos e de seus sistemas

Revolução. Merecimento. Liberdade

Nunca se isentou e hoje as angústias são outras

Ela é moderna, mas ainda sente medo

Ela sabia que muita coisa ainda havia de ser feito

Ela faria qualquer coisa, dentro ou fora de suas possibilidades, mas faria

Nada mais passaria em vão, nenhuma opressão, nenhuma prisão

Dentro dela ainda cabem outras

Cabem muitas e cabem todas

Ela se movimenta com rapidez e destreza

Ela movimenta ate o que não estar por perto

Para ela. o mundo não para

Para ela, não existe o privilégio da espera

Respeita as que vieram antes e prepara o caminho para as que estão por chegar

Elas vão de mãos dadas, na verdade

Elas conhecem a aridez do caminho, mas desistir está longe de ser uma realidade

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