Não lembro do vento que me trouxe até aqui
Não foi uma brisa apenas, decerto
Foi bem mais forte do que isso
Me bagunçou por completo
Não foi do tipo que so despenteia uma franja
Foi um vendaval de arrancar telhados e o que mais tivesse pela frente
Eu estou com corpo ainda trêmulo
Foi repentino e assustador
Não sobrou absolutamente nada daquilo que eu havia conhecido até então
Tudo se foi, num piscar de olhos
O ontem deixou de existir num segundo
Não houve hoje
E quando dei por mim, já era amanhã
Sacudiu o que precisava ter sido sacudido
Movimentou passado, presente e futuro
Tudo junto, como num liquidificador
Nada ficou no lugar
Nem pensamento
Restaram muitos escombros
Pilhas e pilhas de coisas velhas e sem uso
Coisas que eu nem precisava mais, coisas que eu nem lembrava e que me aprisionavam
Umas sobre as outras
E debaixo de tudo isso, tinha sobrado eu
Não sei nem como consegui sair dali debaixo
Salvei o que deu para salvar, no geral o que ja estava em mim, preso no meu corpo
Consegui trazer comigo memórias, histórias, olhares, sabores diversos, identidades, sorrisos, lagrimas, esperanças, algumas alegrias e tristezas também, obviamente
De material, somente a roupa do corpo e uma chave no bolso que, na verdade, não me servirá de muita coisa
Não existem mais portas e nem janelas, portanto chaves serão desnecessárias
De necessário mesmo, agora, só a disposição e a coragem pra seguir em outro espaço de tempo que não me é ainda tão conhecido
Terei de apertar os passos, desbravar caminhos e procurar por novas portas
Eu bem sei que não será nada fácil
Sabe-se lá quantas porta ainda me restam
“Precisarei estar atento e forte
Não tenho tempo de temer a morte”
E nem a sorte
O vendaval já se dissipou
A sua passagem deixará marcas na minha pele eternamente
Haverá vestígios desse dia em mim, não importa onde eu esteja ou vá
O que tinha de ter sido varrido, já o foi
O sol até apareceu de novo
Agora é levantar-se
Refazer-se
E seguir por onde os sonhos caminham novamente