Luto Pela Pessoa Viva
Luto Pela Pessoa Viva

Luto Pela Pessoa Viva

Hás de me pagar pelo teu luto

Hás de me devolver cada minuto que te velei em vida

Hás de me recompensar pela devoção e pela dedicação ao teu corpo, sem que o mesmo estivesse jazido e apodrecido debaixo de sete palmos.

Imputaste a mim todas as suas deficiências, todas as suas falências.

Colocaste nos meus ombros a tua falta de vontade.

Tudo aquilo que culminou no fracasso do nosso amor e na não permanência do que construímos foi culpa sua.

Sabotaste os meus melhores planos em detrimento de um desejo único e perverso

Pensaste unicamente em ti

Eu te cultuei como a um deus. 

Minhas preces, todas elas, eram direcionadas a um único santo: você

Mesmo que a sua existência fosse o oposto de qualquer santidade

De fato, você não era digno da minha devoção 

Eu era ateu, mas eu acreditava em ti

Você era o único que adornava o meu altar particular

Minha religião 

Cultuei a tua imagem a exaustão 

Pedia a ti por nós 

Eu era adepto de ti sob todos os aspectos

Eu amava os teus pecados e pedaços

Era em você que eu depositava toda minha fé

Sucumbi às tuas crenças 

Falso profeta

Você maculou a minha dignidade 

Reduziu-me a pó

Tratou-me com descaso e saiu de fininho, como quem não quisesse assumir a responsabilidade devida.

E realmente não assumiu

Quando me dei conta, eu já estava perdido, sem mapa e sozinho

Hás de me pagar com juros 

Hás de saborear o amargo do meu rancor pela eternidade 

Hás de lidar com um inimigo declarado para o resto dos seus dias

Hás de corroer em desgraça por ter que te matar dentro de mim

Hás de morrer em vida quando perceberes que já degusto da vida de outros

Eu terei, por enquanto, de sobreviver apenas.

Terei de lidar com toda essa maldição que plantaste em meu coração 

Terei de lidar com todas as tuas promessas natimortas perecendo dentro de mim.

Enquanto tu as dizias em vão, eu as gerava com toda força do meu âmago. 

Nutria com ardor toda palavra proferida pela tua boca acre

Prometias e eu te seguia como o mais obediente dos cordeiros. 

Fui teu fiel companheiro e quando não mais precisou, deixou de me arrebanhar. 

Já não sabia mais seguir sem tuas ordens, sem tuas demandas.

Perdi-me de mim

Perdi-me nesse campo grande e nefasto que me atiraste

Eu sei que esse luto e meu

Porém, não velo somente a ti 

Velo um pouco de mim também 

Velo o que deixei nascer de ti em mim e que agora já se desfaz, mas não porque eu quero

Fui obrigado a te aniquilar, a te estrangular e a me desocupar de você 

Hoje, ainda morro um pouquinho a cada dia

E o luto ainda e meu, exclusivo

Até pelo que sei, você seguiu adiante com alguns poucos arranhões 

Hoje, já não luto por você porque essa e uma briga que não quero mais ganhar 

Já quis muito te ter de volta

Hoje, não mais

Hoje, já aprendi a pôr flores onde não há mais vida

Hoje, já aprendi a aceitar a sua ausência 

Mas não me peça compreensão 

Não busque em mim o teu perdão 

Eu já te disse e torno a repetir:

Tu ainda hás de me pagar, ainda que não seja através de mim

Até prefiro que seja pelas mãos de terceiros

Tu hás de compreender a minha dor um dia

Tu hás de perambular e implorar pelo amor de um outro alguém 

Nessa hora, eu já terei me curado de ti

Nessa hora, já terei fechado minhas feridas

Nessa hora, eu quero estar bem longe de ti

Nessa hora, você já terá sido devidamente encaixotado e sepultado

E para mim terá sobrado ainda um bocado de vida.

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