Eu não sinto nada, há tempos
Vivo vazio e sem chão
Não sinto absolutamente nada
Não tenho vontades e nem almejo nada
Zero desejo
Vivo em vão
Há tempos que não aposto em nada e nem em ninguém
Vivo sem rumo, perdido
Há tempos que não tenho para onde ir
Não tenho um Norte, uma direção exata
Flutuo de um lado para o outro sem grandes pretensões
Não tenho rotas, caminhos ou destinos
Há tempos que não me prendo a nada
Pareço uma bussola desgovernada
Uma bandeira no alto de um mastro, à mercê do tempo e do vento
Há tempos que meu olho não brilha, que não sei o que é tesão, paixão e afins
Meu corpo não vibra mais por nada
Vagueio de um lado para o outro, solto e desordenado
Sinto-me empurrado, jogado da lá para cá
Ando a procura sei lá do que.
Eu mesmo permaneço perdido
Flutuo como um saco de papel amassado na ventania
Meus movimentos são antinaturais e não programados
Vou seguindo, somente
Há tempos que eu não tenho pressa
Ha tempos que ando devagar e tudo me parece meio arrastado
Há tempos que eu ando atrasado
Infrutífero e sem sabor
Há tempos que eu não tenho sede de ninguém
Há tempos que eu não tenho sede de mim
Perdi o viço da vida
Ando sem brilho e sem coragem
Há tempos que não desejo a boca de ninguém
Há tempos que não toco em outros corpos
Há tempos que vivo a recolher vestígios de um tempo que passou
Lembranças perdidas de alguém que já nem existe mais
Lembranças de alguém que parece ter se derretido, evaporado, sumido na nevoa obscura e densa dos meus pensamentos
Sinto-me como o espectro de algo que já existiu e que hoje já não vive mais
Que não vive em mim e em lugar nenhum
Sinto-me habitando um espaço qualquer
Eu não me sinto vivo
Não me lembro, ao certo, quando e onde me perdi
Onde eu me esqueci de mim?
Onde?
Há tempos que cultivo uma remota lembrança de um amor que se foi
Que se foi e que de mim escorreu
E hoje eu choro de pena
Pena da única porção de vida feliz que um dia eu tive
Da única e última parte relevante de mim
Não havia sobras daquele tempo, além da remota lembrança de um tempo feliz
Um tempo que já não me pertence mais
Há tempos que choro sem saber o porquê
Não sei para onde ir, por onde recomeçar
Sinto-me sem casa
Não me tenho mais morada
Janelas e portas fechadas
Fico mendigando afetos quaisquer na tentativa de me livrar dessa solidão
Sinto-me ainda mais vazio depois
Não são os amores que quero
Não são aqueles que experimentei
Não são, nem de perto, o mesmo amor que eu sentia
Há tempos que não chamo alguém de meu
Tenho saudades do tempo em que me preocupava com alguém
Tenho saudades de quando eu era também motivo de preocupação de alguém
O mundo tem me parecido tão mais cruel ultimamente
Tenho a leve impressão de que o amor passou
De que ele me esqueceu, me abandonou
Parece que ele me atravessou
Deixou marcas, mas não ficou
Parece-me que não dei conta
Parece-me que perdi o tempo
Só que agora me parece meio tarde
E daí, passou
Simplesmente passou…