Já me deixei invadir por todos os medos
Já me fiz de forte e outras vezes não suportei
Admito, que por vezes sucumbi
Sofri
Retrocedi
Apanhei
Caí
Levantei-me
Apanhei de novo
Houve tempos em que até me escondi devido o cansaço
Já tive pavores imenso de coisas enormes
Mas já temi coisas pequenas também
Por vezes, morria sem saber como enfrentar
Mas depois eu ressuscitava
Dos meus maiores temores, digo não suportar a ideia de não me lembrar de quem um dia eu fui
Deixar de saber de mim e dos meus
Esquecer por onde passei, de onde fui feliz
Perder num fundo de gaveta qualquer os rostos e bocas pelos quais um dia eu me apaixonei
Levem tudo de mim, menos as minhas lembranças
Deixo de comer, beber, transar
Liberto-me de todas as satisfações mundanas
Porém não me tirem as lembranças
Não me privem das minhas saudades
Não me rasguem as fotos, por mais distorcidas e descoloridas que elas estejam
Preciso mantê-las vivas, só assim eu permanecerei vivo também
Não saberia lidar somente com o tempo no presente, já não tenho mais muitos dias pela frente
Até o meu último minuto gostaria de poder me lembrar de cada quadro de imagem que os meus olhos tenham registrado até hoje
Eu morreria em vida sem as minhas memórias
São as minhas relíquias, o meu tesouro
Tudo que lucrei ao longo dos anos foi através das minhas recordações
Eu vivi, apostei e investi em momentos justamente para que eu pudesse, ao fim da vida, desfrutar das minhas memórias
Tudo que consegui juntar no meu tempo de vida são as minhas histórias
Belas ou não, mas, hoje, são todas minhas e as quero por tempo indeterminado
O que seria de mim sem tudo aquilo que vi e vivi?
Quero os registros dos meus passos intactos
Quero poder lembrar das minhas vitorias e derrotas, lagrimas, sorrisos, dessabores e conquistas
Quero poder me recordar dos meus carimbos e pedágios, das minhas passagens, dos meus retornos, dos meus pedaços, dos meus retalhos…
Não saberia viver sem reconhecer os que me tiveram amor
Troco meus anos restantes se tiver de vive-los sem a imagem dos meus amigos
Quero viver enquanto houver lembrança de mim e dos meus tempos, ainda que vagamente
Morreria lentamente se tudo virasse um vulto uniforme e irreconhecível dentro da minha cabeça
Não vejo vida à frente sem ser grato ao que deixei lá atrás
Quero poder lembrar para ser grato
Quero poder rever os meus tantos “eus”
Quero poder me perdoar e me celebrar
Quero poder me reencontrar e me revisitar sempre quando possível, ou necessário
Quero poder rir e chorar com as minhas memórias
Arranquem-me tudo, arranquem-me a carne, mas não me tirem as memórias