Era dia de faxina
Comecei pelos quartos
Fui varrendo a casa toda: limpei a cozinha, tratei da sala, cuidei dos banheiros, cheguei na varanda e não te vi
O dia estava tão claro que até doía os olhos
Era um contraste lindo de cores
Lembrei de tantas coisas vividas ali, naquele espaço
Dos dias felizes e dos dias nem tão felizes assim
Todos faziam parte de uma mesma memoria compartilhada
Era dia de faxina
Caminhei pelo gramado ainda úmido da chuva do dia anterior
Reparei numa flor que ficava ali de canto e que não havia resistido a passagem daquela chuva
Parecia morta, mas ainda era bela
Senti um pesar estranho, por ela e por mim
Chorei baixinho
Lembrei que algo em mim também tinha morrido recentemente
Era dia de faxina
Tirei o pó dos móveis
Botei o lixo na rua
Ouvi o caminhão do lixo passar assim que fechei o portão
Olhei para dentro de casa e achei tudo tão vazio
Eu também estava sem nada por dentro, oco e desolado
Era dia de faxina
Recolhi os últimos vestígios do que você havia deixado para trás
Eu te tirei de onde costumava te exaltar
Você não fazia mais parte do meu altar
O tempo de te adorar havia passado
Depositei tuas memórias onde as minhas vistas já não pudessem mais alcança-las facilmente
Limpei tudo que me fazia lembrar daquela vida com você
Tirei tuas manchas dos meus lençóis, mas teu perfume permanece, insistentemente
Vai ser difícil me livrar do teu cheiro
Era dia de faxina
Não vai ser tarefa fácil me livrar dos pequenos pedaços da tua existência com apenas uma faxina
Demorarei meses até que tudo esteja devidamente ajeitado e limpo da forma que desejo e da forma que tem que ser
Levará tempo até que tudo tenha um novo cheiro, uma nova vibração
Levará tempo até que a casa não tenha uma única fagulha sequer de ti
Terei de fazer outras tantas faxinas, com toda certeza
E sentir, que assim, terei também me limpado por completo de você
Intenso! Curti demais!