Amava essa hora do dia
Era quando eu te espreitava
Você e os seus rituais noturnos
Adorava ficar de olho, te espionando
Gostava de observar a sua sequência de atividades, todo metódico e organizado
Gostava de vigiar o seu autocuidado antes de dormir
Eu te acompanhava em silencio como a um filme de sábado à noite no “Super-Cine”
Gostava de admirar você espalhando o teu cheiro pela casa
Gostava de te ver passando de um lado para outro, usando apenas a calça do teu pijama mais confortável
Dorso nu, obviamente
Eu te despia lentamente sem nem mesmo te tocar
Minha imaginação flutuava por dentro da única peça de roupa que te cobria
Gostava de saber que você estava sempre ao meu alcance
Gostava de saber que você era meu
Gostava de te ver livre, sendo você
Você ia deslizando pela casa com a sua calca de pijama folgada e atiçava a minha libido e a minha imaginação em conjunto e harmoniosamente
Eu ficava tentando desvendar cada centímetro do que ainda não me era visível
Embora eu já te conhecesse de trás para frente, de cima para baixo e pelo avesso
Eu tinha o mapa do teu corpo decorado
Tuas coordenadas, todas já devidamente exploradas
Gostava de te ver com os pés descalços andando pela casa
Observava o vapor dos teus pés no piso frio da casa, conforme você ia andando
Passava o dia inteiro pensando na melhor hora do dia
A hora em que te veria na minha sala, comendo uma salada, tomando um vinho e se preparando para dormir
Essa hora era o meu elixir, meu bálsamo, meu refúgio
Eu esquecia do mundo enquanto te olhava pousado no meu sofá
A tua pela escura contrastava elegantemente com o cenário alvo da sala de estar
Meus olhos ficavam obcecados pela tua presença massiva
Eu nem disfarçava porque sei que você também gostava de ser admirado
Você sempre compenetrado nos seus afazeres
E eu perdido e focado na tua existência
Você sabia preencher aquela sala como ninguém
Mais tarde, ficava ainda melhor
Você me arrastava para o quarto sem cerimonias e eu já entendia os teus desejos
Era quando eu te sentia dentro, literalmente
Mãos por todos os lugares
Pernas entrelaçadas
Era difícil saber onde você começava e onde eu terminava
Não tinha fim na verdade
Tudo era começo, somente
Aquele quarto era o nosso pequeno e secreto santuário
Ali, era onde eu te devotava e onde eu te profanava
Ali, era onde você me devorava
Sobre nossos corpos e pecados somente um lençol que mais parecia um escudo apesar de fino e sedoso
Ali, nós sabíamos que estávamos protegidos de tudo e de todos
Queria que o mundo acabasse porque eu e você continuaríamos
Depois de ti nunca mais fui deserto
Depois de ti virei ilha, cercado por você, por todos os lados
Ali, naquele quarto, eu me rendia, me desarmava todas as noites
Ali não tinha medo nem receios
Sobre ti, nunca hesitei
Ficava à espera do momento exato em que você começaria a pronunciar, em forma de sussurros no meu ouvido, suas últimas palavras do dia, ou da noite, tanto faz
E eu simplesmente naufragaria no sono mais profundo, embalado pelo som sagrado e perpetuo da tua voz rouca me desejando:
Boa Noite!